A doação mitocondrial inovadora, a fertilização in vitro, resultou no nascimento de oito bebés saudáveis no Reino Unido, marcando uma vitória significativa contra doenças hereditárias devastadoras. As crianças, incluindo um conjunto de gémeos idênticos, não mostram sinais de mutações no ADN mitocondrial que, de outra forma, as teriam condenado a doenças debilitantes. Esta descoberta, iniciada por uma equipa da Universidade de Newcastle, demonstra a eficácia de uma técnica refinada chamada transferência pró-nuclear na prevenção da transmissão destes defeitos genéticos incuráveis.
A ciência por trás da doação mitocondrial
As doenças mitocondriais afetam aproximadamente uma em cada 5.000 crianças, causando falhas na produção de energia em órgãos vitais como coração, cérebro e músculos. Estas doenças são herdadas exclusivamente da mãe através do ADN mitocondrial (mtDNA), não deixando cura e apenas opções de tratamento limitadas. A transferência pró-nuclear resolve isso substituindo o mtDNA defeituoso da mãe por mtDNA saudável de um óvulo doado após a fertilização.
O processo envolve retirar o material genético de um óvulo fertilizado que contém a mutação causadora da doença e transplantá-lo para um óvulo de uma doadora com seu próprio núcleo removido. O embrião resultante herda o DNA nuclear dos seus pais, mas carrega predominantemente o DNA mitocondrial saudável do doador. Isso garante que a criança não herdará a doença, oferecendo às famílias a chance de ter filhos saudáveis.
Os primeiros resultados confirmam o sucesso
Publicadas no The New England Journal of Medicine, as descobertas detalham os resultados reprodutivos e clínicos deste procedimento. Todos os oito bebés estão a prosperar, atingindo marcos de desenvolvimento sem níveis detectáveis de mtDNA causador de doenças – ou com níveis tão baixos que não representam risco clínico. Embora vestígios de mtDNA materno estivessem presentes em alguns casos (variando até 16% em amostras de sangue), a equipa enfatiza que estes níveis permanecem bem abaixo do limiar de 80% necessário para a manifestação da doença.
“As tecnologias de doação mitocondrial são atualmente consideradas tratamentos de redução de risco devido à transferência de DNA mitocondrial materno durante o procedimento de doação mitocondrial”, disse a professora Mary Herbert, principal autora do estudo. “Nossa pesquisa em andamento busca preencher a lacuna entre a redução do risco e a prevenção de doenças do DNA mitocondrial, abordando este problema.”
Monitoramento e suporte rigorosos
As mães que foram submetidas ao procedimento fizeram parte de um estudo de pesquisa monitorado de perto no âmbito do NHS Mitochondrial Reproductive Care Pathway. Participaram sete mulheres, sendo que seis tiveram gestações sem complicações. Uma mãe desenvolveu hiperlipidemia, uma doença sanguínea com alto teor de gordura, que foi controlada com sucesso com mudanças na dieta. Três bebés tiveram problemas de saúde menores – um breve reflexo de susto, níveis elevados de gordura no sangue e uma arritmia – nenhum dos quais está conclusivamente ligado ao procedimento de doação mitocondrial.
A equipa de Newcastle está a realizar estudos de acompanhamento a longo prazo sobre estas crianças, estendendo-se até aos cinco anos de idade, para garantir a monitorização contínua da saúde e identificar quaisquer padrões potenciais.
Uma nova era para famílias em risco
O Reino Unido legalizou a doação mitocondrial em 2015, tornando-se o primeiro país do mundo a regulamentar o procedimento. O Newcastle Fertility Centre recebeu a primeira licença clínica em 2017. Esta decisão seguiu-se a um extenso debate ético e científico e desde então abriu caminho para legislação semelhante na Austrália.
A Lily Foundation, uma instituição de caridade líder na investigação de doenças mitocondriais, saudou os resultados como um ponto de viragem para as famílias em risco. “Depois de anos de espera, sabemos agora que oito bebés nasceram utilizando esta técnica, todos sem sinais de mito”, disse Liz Curtis, fundadora e CEO. “Para muitas famílias afetadas, é a primeira esperança real de quebrar o ciclo desta condição hereditária.”
Essas descobertas representam um salto monumental na medicina reprodutiva, oferecendo uma solução permanente para famílias sobrecarregadas pelo medo de transmitir doenças mitocondriais debilitantes. Embora a investigação contínua seja crucial para aperfeiçoar ainda mais a técnica, o sucesso destas primeiras oito crianças confirma que um futuro livre destas doenças herdadas está agora ao nosso alcance.
